Observando o estado cultural em nossa sociedade nos últimos tempos (lê-se tempos atuais), o ser humano tem-se provado extremamente ruim em ter uma visão a longo prazo. Graças à gratificação instantânea proveniente da tecnologia moderna trazida à tona pelas redes sociais e pela internet, acostumamo-nos a receber constantes injeções de falsas felicidade e realização. Com isso, a ideia de realizar uma ação da qual talvez (e provavelmente) não veremos o benefício/conclusão é assustadora, isso quando sequer a consideramos. Todavia, se estamos dispostos a compreender e emular a visão de mundo dos antigos pagãos, precisamos também nos disponibilizarmos a melhorar nisso, e entender que não apenas somos as nossas ações (como diria o saudoso livro We are our deeds), mas que também as nossas ações moldam o mundo das gerações futuras.
Essa lógica e visão moderna é frequentemente vista na noção de que os ciclos de presentes com pessoas além do nosso círculo íntimo (innangard) são um desperdício de recursos e tempo. Claro, se estivermos considerando apenas o nosso retorno pessoal, fica óbvio que essas pequenas trocas de recursos e energia passam a não parecer significativas. No entanto, uma rápida leitura de The Gift, de Mauss (que inclusive consta em nossa lista de leitura recomendada!), mostra que os antigos pagãos, assim como muitas outras culturas primitivas, consideravam essas trocas como vitais para o funcionamento das suas sociedades. Tendo isso em mente, vamos nos aprofundar.
Quando estou recomendando um primeiro livro para um recém-interessado no paganismo germânico, costumo a recomendar o excelentíssimo Culture of the Teutons, de Grönbech. O primeiro e extenso capítulo aborda as várias permutações da frith em detalhes minuciosos. Como dito em nosso artigo sobre a frith:
“A Frith pode ser explicada como um estado mútuo de altruísmo. É através dela que podemos descrever o relacionamento mais próximo que uma pessoa pode ter com outra. É uma combinação de paz, amor, segurança, alegria, deleite, gentileza, lealdade, confiança e afeição.”
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Com essa definição em mente, vamos considerar isso dentro do contexto mais amplo da sociedade primitiva. Um juramento inevitavelmente levará a algum grau de parentesco ao longo das gerações -- seja imediatamente, como no voto matrimonial e nos filhos que tendem a seguir, ou como um prelúdio para tais laços matrimoniais, à medida que membros de uma teia de juramentos compartilhada criam seus filhos próximos uns aos outros, levando ao romance e aos netos compartilhados. Assim, fica claro que, em uma sociedade pagã, o juramento tenderia a uma alta probabilidade de parentes consanguíneos em gerações futuras.
Isso, todavia, implica em uma pergunta: Com quem compartilhamos juramentos? Com estranhos aleatórios? Com pessoas desconhecidas que passam pela rua ou que vivem próximos? Ou devemos seguir o caminho em direção a um potencial juramento e, consequentemente, a potenciais futuros parentes que certamente solidificariam a frith com a troca de bens materiais? Reflete-se.
Um presente inicial custa pouco e tem pouco peso, mas ele estabelece um ponto de partida no poço da Wyrd, conforme o compreendemos. Uma vez estabelecido esse ponto de partida, a troca repetida se acumula e se reforça. Presenteamos porque recebemos, e recebemos porque presenteamos. A confiança e a boa vontade mútua crescem, e a ideia de romper essa tradição de comportamento de longa data torna-se cada vez mais repugnante para ambas as partes. Eventualmente, pode (historicamente, era extremamente provável que acontecesse) culminar em um juramento de serviço, irmandade de sangue, adoção ou casamento - todas variações dos juramentos que eles e nós reconheceríamos como estabelecendo uma relação baseada em frith - e todas as quais provavelmente levariam à união de famílias. Nesse ponto, embora não seja impossível, a ideia de traição ou causar danos um ao outro seria impensável, enquanto a continuação da troca de presentes e obrigações se tornaria natural como respirar.
Isso significa que aqueles com quem compartilhamos ciclos de presentes são os mesmos com quem estamos ligados pela frith? Claro que não. Mas o potencial existe para eles, ou seus filhos, se tornarem ligados a nós ou aos nossos futuros parentes, e esse potencial, como parte do nosso valor, não é algo que devemos desperdiçar facilmente.
Portanto, paremos, reflitamos e tentemos resgatar essa antiga visão a longo prazo. Busquemos criar e agir de forma que não necessariamente vá nos dar algo em troca imediatamente, mas que as próximas gerações, nossos descendentes, possam colher esses frutos. Não tenha dúvidas que, você tendo os educado para uma visão pagã, continuará o que você - e sua família - deu início.
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