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[OPINIÃO] Problemas e dificuldades no meio Pagão Germânico


Existe uma frase com um palavreado demasiado baixo para esta publicação e este meio de comunicação que é comumente dita por um dos nossos colaboradores aqui no Germânia Instiut. Tal frase pode ser dita da seguinte forma: “Religião é algo bastante pessoal, e de fato, cada um tem a sua forma de lidar com ela”.

No entanto, existem situações, pessoas e ações que influenciam negativamente uma crença e cultura que tenta se reerguer após anos de supressão e influência cristã. Grande parte da culpa recai sobre os próprios praticantes que, em vez de estudar e buscar se desvencilhar de outras religiões e culturas, acabam sincretizando ainda mais, ajudando assim, a destruir a identidade que ainda resta.

Vale salientar que o sincretismo em si pode não ser ruim. O Cristianismo sincretizou diversos conceitos de muitas crenças, de uma forma que os praticantes da fé incorporada a ele mal sentissem a transição. Contudo, nunca perdeu a sua identidade justamente por tratar as outras crenças como meros instrumentos a serem utilizados para um determinado fim.

Isso não acontece com o pseudopagão germânico. Basta uma conversa simples para percebermos que diversas vezes, muitos tratam a fé germânica como uma forma de “ser diferente”, de travestir o cristianismo com um germanismo barato, de entrar no hype, angariar likes, ou ainda, vender cursinhos para o jovem místico médio.

Voltemos à frase inicial. Nem eu, nem ninguém do Germânia Institut queremos que você, caro leitor, largue tudo que vem fazendo pessoalmente e passe a seguir uma receita de bolo que passamos e siga nosso blog e artigos como se fosse a bíblia germânica, afinal como dissemos, a religião é algo pessoal. No entanto, estamos aqui como guias, para que você passe de uma pessoa que mistura e bagunça tudo para alguém que entende o seu lugar e importância na crença germânica.

Os pagãos germânicos modernos em parte parecem seus ancestrais: desunidos, em guerra. Todavia, quando precisavam se unir por um objetivo complexo, as tribos faziam o que devia ser feito, fosse isso bonito ou não. Isso obviamente não acontece nos dias de hoje. Vemos pessoas atirando para todos os lados, criando anacronismos desnecessários, impondo uma visão pessoal como se aquilo fosse a verdade, sem nenhuma discussão. Devíamos estar nos unindo, todos com o olhar num único objetivo: reviver essa crença que há tempos mantém-se moribunda, única e exclusivamente devido a seus próprios praticantes, que pouco se importam com o estado do coletivo, e buscam manter a individualidade, resquícios de uma criação cristianizada.

E à partir desses resquícios, querem tentar trazer conceitos que simplesmente não fazem sentido num ponto de vista pagão germânico, rotulam-os como verdadeiros, tradicionais; bradam aos ventos que era assim que era feito com as famosas fontes “Arial 12” e “Vozes da Minha Cabeça”. Apresenta-se então fontes coerentes e estudos respeitados, e as respostas caem no ainda mais famoso “Mas não era bem assim…”.

Tudo isso acontece justamente pela bagagem cristã que carregamos. O mundo ocidental, o Brasil, são lugares majoritariamente cristãos. Quais as chances de você tentar se aprofundar em uma nova religião sem nenhum olhar enviesado? Ou buscar soluções de problemas modernos, validações, numa crença antiga? Altas. Altíssimas. O primeiro passo que precisamos dar é entender que essa bagagem é normal, e em seguida perceber que é ao livrar-nos dela, nos tornamos mais leves, e passamos a compreender melhor a cultura germânica; sem bússola moral cristã, conceitos que para um temente a Deus são incompreensíveis passam a fazer todo o sentido do mundo.



Junto a essa bagagem cristã, vemos os pagãos modernos achando que tudo na religiosidade germânica tem a ver com os deuses. É fácil de entender o motivo por trás disso; isso é o que acontece quando a mitologia de uma crença inteira torna-se popular e passa a integrar histórias em quadrinhos e filmes dos mais variados tipos e com pouca coerência. O pagão moderno olha praquelas imagens, vê Thor, Odin, Freyja e alguns outros, e os imaginam como seres romantizados e que estão ali para nos ajudar quando precisamos.

Olham para Thor e veem um brutamontes que vai lhes ajudar em uma briga. Tornam a olhar para Odin e vêem um velho barbudo e caolho que vai lhes dar sabedoria só por pedir. Caro leitor, consegue perceber? Há um enorme problema nessa investida: projeção.

Projetam faces de um deus todo poderoso em facetas diferentes. O deus cristão é sábio, e forte, e bom. Oras, nada mais prático que pegar a sabedoria e a bondade de Deus e dizer que Odin é sábio e bom. Ou que Thor é forte e está sempre ali nos escutando para quando estivermos num perrengue ele aparecer como o salvador da pátria. Já fiz um artigo sobre o fato de que os deuses nem sempre estão nos escutando. Talvez você queira dar uma olhada nele.

A questão aqui é que não há motivos para que você precise ficar rezando todos os dias para eles, ou querer dedicar dia x ao deus y querendo ter uma benção z. Não há necessidade extrema de realizar blóts aos deuses todos os meses. Simplesmente há coisas mais alcançáveis para nos preocupar.

Os ancestrais e os espíritos da casa e natureza são friamente esquecidos, como se não existissem. Notícia quentinha: se não fossem os seus ancestrais, você não estaria aqui! Os antigos pagãos germânicos davam importância do mais alto nível para seus ancestrais. Conselhos, pedidos de ajuda e apoio eram feitos para eles, justamente por estarem muito mais perto de nós do que um ser divino. Basta pensar um pouco mais logicamente e perceberá que as chances de um ancestral, que ajudou a ser quem você é, lhe ajudar são muito mais altas que um deus que tem suas próprias coisas para resolver.

Portanto, crie laços e um ciclo de presentes com os seus ancestrais e os espíritos da natureza. Será nítido a diferença que fará em sua vida.

Ainda falando sobre os deuses, podemos comentar sobre as famosas experiências de “fui chamado pelo deus xyz”. Achou que eu ia invalidar essas? Não, não vou. Todavia, aconselho a evitar falar esse tipo de coisa para qualquer um. Existem pessoas más, e assuntos desse tipo são melhor compartilhados no seu círculo interno de amizades e família (innangard). Evite falar de magia, runas e outros assuntos sem uma base; escute quem muito estudou e, aliado a seus estudos, tire suas conclusões e compare com uma visão de mundo germânica, não cristã. A não ser que você seja um germânico pré-cristão, dificilmente você saberá seidr, ou outro tipo de magia, e nisso entra a divinação com runas.

As runas eram um alfabeto, um meio de comunicação. Não existem provas de que os antigos usavam para a divinação. Mesmo assim, como este mesmo texto já disse constantemente, a religião acaba sendo pessoal, e coisas como a divinação com runas não fere conceitos básicos da crença, então pouco importa.



Existem mais alguns assuntos que ainda preciso tratar: Valhalla, Loki, e a devoção ao caos. Não pretendo me alongar neles.

Valhalla como é descrito explicitamente nas fontes primárias é um lugar em que os únicos que podem entrar são guerreiros mortos em batalha. Preste muita atenção nisso: EM BATALHA.

Mais uma vez:

EM BATALHA.

E sim, é no significado literal do termo, ok? Você é um trabalhador que pega ônibus às 6h e só volta às 22h? É uma pena pela sua condição, mas você não vai pra Valhalla. Você é um traficante que matou muitas pessoas e morreu numa troca de tiros? Parabéns, bem-vindo à Valhalla.

Perceba-se duas coisas: Valhalla não é um paraíso e Valhalla não possui um compasso moral em que os bons e os justos vão para lá. Odin precisa de guerreiros, lutadores, combatentes para o exército lutar no Ragnarök. O que o Reginaldo (pessoa meramente ilustrativa), caixa de supermercado que mal sabe capinar um terreno vai fazer num combate contra o caos?

Lembre-se que quem vai para Valhalla lutará durante o dia, morrerá, e repetirá isso até o Ragnarök. Não sei, mas acho que não é uma coisa muito divertida de se fazer após a morte. Ainda bem que a priori, não existe o conceito de Valhalla para nós pagãos saxões. :)

Agora voltemos ao assunto que tira o sono de muita gente: Loki.

Serei direto e simples: Você é, ou pretende seguir o caminho continental/saxão do paganismo germânico?

Se a resposta for sim: Parabéns, você não precisa se preocupar com Loki.

Se a resposta for não: Siga a vida e se estresse com esse assunto.

Não existem menções de Loki no paganismo saxão, então essa figura controversa pouco importa para nós. Há teorias de que ele é uma criação cristã e tudo mais, contudo vou evitar de me alongar sobre isso aqui.

Quero ser ainda mais direto sobre a adoração do caos: não faz sentido. Analise as fontes, os estudos, os deuses, os povos, as culturas. Todas elas vão te dizer a mesma coisa: o ser humano buscando ordernar as coisas e manter o caos longe.

“Ah, mas é necessário o caos para ter ordem”, ou “ Bom, o caos é como algo que renova, traz mudanças” são frases conhecidas. Eu tenho a impressão que se seu ancestral ouvisse isso, ficaria incrivelmente frustrado em saber que era só abraçar o caos do exterior em vez de construir uma coletividade para sobreviver.



Ser um pagão é difícil. Muito difícil. Somos a minoria, e se considerar pagãos germânicos continentais, somos ainda em menor número. As fontes são escassas e o trabalho é árduo e ingrato muitas vezes. Não consigo entender o porquê de existirem pessoas que parecem querer dificultar ainda mais a própria vida ao entrar nessa área e buscar ser ainda mais diferente de tudo.

Gostaria muito que você, leitor, ao terminar aqui e fechar esta página, reflita: o que eu quero de fato? Eu acho o Thor da Marvel legal e por isso vou ser pagão? Não. Você precisa se dedicar; é preciso estudar, viver, se aprofundar em muito mais do que uma simples mitologia, Eddas e sagas.

É preciso entender que a melhor forma de compreender como a religião germânica era praticada, é entendendo e vivendo com a visão de mundo daquelas pessoas.

Evite a individualização, evite estar sozinho nessa jornada. Procure outros pagãos, incite a coletividade, pare de tentar ser o diferentão do rolê e passe a ser um contribuinte para essa cultura e crença que caminha a passos de formiga, na esperança de que volte a ser respeitada.

Assim, quem sabe possamos deixar nossos ancestrais felizes, e fazer com que o caminho para nossos descendentes seja menos árduo. Afinal, não queremos ser esquecidos.

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