Assunto talvez um pouco polêmico, sim, mas primordial para o entendimento de toda uma crença. Talvez seja toda a bagagem trazida de quaisquer que tenham sido as suas crenças (notadamente de viés judaico), mas novos pagãos e um número surpreendente de “velhos de guerra” tendem a perceber os Deuses como seres bonzinhos e aproximáveis.
A visão de que os Deuses se preocupam conosco individualmente e que desejam — ou ao menos são receptivos para a comunhão direta conosco — é comum de encontrar no paganismo geral. Claro que o Paganismo Germânico não estaria de fora de toda essa bagunça. Alguns vão apontar para os poemas Éddicos, como o Hyndluljóð, onde a deusa Freyja ajuda Óttar a descobrir sua linhagem, como prova de tais relacionamentos citados anteriormente e a abertura dos deuses para os mesmos.
Mesmo assim, esta brincadeira de argumento e contra-argumento está enraizada apenas quando tratamos das interpretações baseadas em conhecimentos das Eddas e afins. Existem, acredito, razões mais convincentes e edificantes do porquê essas atitudes sobre o divino deveriam ser evitadas.
O conceito de limites é fundamental para a visão de mundo Pagão, assim como os conceitos relacionados a pecado (Sim, existe!) e thew. O limite entre o innangard (seus laços próximos) e o utangard (tudo fora dos seus laços) existe para proteger o interior dos perigos do exterior. Cruzar esses limites nunca era feito despreocupadamente; uma pessoa não passeava tranquilamente para um local onde as suas próprias pessoas não viviam. O limite entre innangard e utangard era guardado e tinham a necessidade de serem mantidos. Pode-se dizer que a inviolabilidade mútua que o Frith demanda criou uma espécie de limite entre prosperidade e desastre dentro da tribo.
O mesmo vale para como nós abordamos os Deuses. Nós devemos entender que os Deuses são sagrados (consagrados), portanto integralmente diferentes; eles não são de nossa realidade e existem objetivamente de nós. Experimentar o Sagrado sinceramente é experienciar o maior dos paradoxos; sentimo-nos simultaneamente atônitos e horrorizados, exultantes e humilhados. Nós experienciamos a supressão de nossa realidade à face de uma realidade maior, uma perda temporária de identidade na presença do Sagrado. [2] Essas experiências são corretas e adequadas a serem perseguidas; elas, junto das benções que caem sobre a tribo são como nós medimos a eficácia do ritual. Um ritual adequado é como nos comunicamos com o Sagrado, é como nós negociamos aquele limite entre o profano e o Sagrado.
A visão de que os Deuses se preocupam conosco individualmente e que desejam — ou ao menos são receptivos para a comunhão direta conosco — é comum de encontrar no paganismo geral. Claro que o Paganismo Germânico não estaria de fora de toda essa bagunça. Alguns vão apontar para os poemas Éddicos, como o Hyndluljóð, onde a deusa Freyja ajuda Óttar a descobrir sua linhagem, como prova de tais relacionamentos citados anteriormente e a abertura dos deuses para os mesmos.
Em resposta, pode-se apontar que levar as Eddas tão literalmente é uma armadilha. Por exemplo, uma teoria é a de que o propósito do poema era o de atribuir uma genealogia nobre a Óttar Birtingr, que foi assassinado em 1146. [1] Adicionalmente, pode-se apontar que enquanto seja verdade que existam exemplos de indivíduos favorecidos pelos Deuses, eles são geralmente heróis que lideraram vidas tumultuadas e discutivelmente nada invejáveis, ou ainda que esses escolhidos são estritamente raros. Levando esses contra-argumentos em consideração, seria estranho que a atenção dos Deuses sobre uma única pessoa seria pensada como ideal ou até mesmo uma prática comum.
Mesmo assim, esta brincadeira de argumento e contra-argumento está enraizada apenas quando tratamos das interpretações baseadas em conhecimentos das Eddas e afins. Existem, acredito, razões mais convincentes e edificantes do porquê essas atitudes sobre o divino deveriam ser evitadas.
O conceito de limites é fundamental para a visão de mundo Pagão, assim como os conceitos relacionados a pecado (Sim, existe!) e thew. O limite entre o innangard (seus laços próximos) e o utangard (tudo fora dos seus laços) existe para proteger o interior dos perigos do exterior. Cruzar esses limites nunca era feito despreocupadamente; uma pessoa não passeava tranquilamente para um local onde as suas próprias pessoas não viviam. O limite entre innangard e utangard era guardado e tinham a necessidade de serem mantidos. Pode-se dizer que a inviolabilidade mútua que o Frith demanda criou uma espécie de limite entre prosperidade e desastre dentro da tribo.
O mesmo vale para como nós abordamos os Deuses. Nós devemos entender que os Deuses são sagrados (consagrados), portanto integralmente diferentes; eles não são de nossa realidade e existem objetivamente de nós. Experimentar o Sagrado sinceramente é experienciar o maior dos paradoxos; sentimo-nos simultaneamente atônitos e horrorizados, exultantes e humilhados. Nós experienciamos a supressão de nossa realidade à face de uma realidade maior, uma perda temporária de identidade na presença do Sagrado. [2] Essas experiências são corretas e adequadas a serem perseguidas; elas, junto das benções que caem sobre a tribo são como nós medimos a eficácia do ritual. Um ritual adequado é como nos comunicamos com o Sagrado, é como nós negociamos aquele limite entre o profano e o Sagrado.
OS PERIGOS DO DIVINO
Existem três grandes perigos que eu gostaria de apontar sobre a suposição de acesso aberto a uma deidade e em procurar relacionamentos pessoais com a mesma. O primeiro é o conceito de ira. O segundo é o conceito de “vício numinoso” e o terceiro é o desfavor dos próprios Deuses. Essas ideias estão todas interrelacionadas e entrelaçadas com o conceito teológico de que os deuses são seres numinosos.
Primeiro, imagine-se uma barreira física como uma cerca elétrica alta, uma a qual não nos dá apenas um pequeno choque, mas sim um horrível, duradouro choque que nos deixa tremendo. Com essa ideia em mente, nós podemos começar a entender o tipo de barreira que existe entre o mundo do Sagrado e o mundo do profano. A “cerca elétrica” era chamada pelos Gregos como “ὀργή (orgé)”, comumente traduzida para ira. Em vez de crescer como um resultado da transgressão moral, entretanto, essa ira, como a cerca em meu exemplo é indiscriminada e impensada ao eletrocutar aqueles que se aproximam demais. Essa ira é avassaladoramente augusta do Sagrado, uma extensão do divino. É apenas abatida através de ritual e decoro; uma abertura é feita na cerca elétrica, permitindo acesso.
O segundo perigo referido como “vício numinoso”, significa o desejo, muitas vezes dominante, de experienciar o Sagrado de novo e de novo, e o inevitável desapontamento e o anseio por “uma cura”. Enquanto o pavor, o medo e a apreensão são partes da experiência religiosa, também são a felicidade, o êxtase e a excitação. Quando experimentamos o divino, nós ansiamos para experimentá-lo de novo, o que é apenas natural. Mesmo assim, esse desejo, se deixamo-lo andar por aí, pode servir apenas para nos alienar do nosso povo e dominar nossas vidas. Um perigo ainda maior é a loucura que pode causar. Nós simplesmente não somos programados para nos expor frequentemente ao estado de ser que suprime nossa própria realidade e senso de si. Enquanto aqueles que estão loucos nos mitos e na história nos trouxe insights, eles eram, por necessidade, criaturas do utangard. O perigo da dissociação de nossa realidade mortal em detrimento de nós mesmo e nossa tribo, é muito grande para arriscar.
Um perigo relacionado a esse “vício numinoso” é o risco de tornar a experiência mais pobre. Quanto mais compulsivamente nós entramos em contato com algo, especialmente algo que nós possuímos expectativas tão altas e específicas, maiores são as chances de auto desilusão e de achar que a experiência sempre irá acontecer.
O terceiro perigo é o de ganhar o desfavor dos Deuses. Nossos Deuses não são onibenevolentes; sendo sincero, alguns deles podemos dizer que são, na melhor das hipóteses, ambivalentes sobre nós. Até mesmo os Deuses que são mais amplamente considerados como “amigáveis” com a humanidade, como Thor, não são tão inclinados a perdoar assim como ignorar transgressões contra eles. Um estranho ou até mesmo um amigo que permanece rudemente na sua porta e faz demandas a você, irá rapidamente perceber que não é bem-vindo em sua casa, correto? Provavelmente não é diferente com os Deuses. Enquanto falta de cuidado ou inaptidão de executar um ritual pode geralmente resultar em não ter ninguém do outro lado da linha, pode também ter o risco de ofender e desfavorecer, especialmente aliados com delitos em espaços criados para o Sagrado.
Nós devemos ter medo do desfavor não por temermos punição divina e ter um raio caindo em nossa cabeça; mas sim porque a pior coisa que podemos trazer para nós e nossa tribo é ter os Deuses retirando suas benções de nós completamente.
Uma atitude de acessibilidade fácil, uma “política de portas abertas” com os Deuses ignoram a natureza fundamental deles visto como nós conseguimos entendê-la. Presume-se uma ausência de ordem e justiça que não pode e não deve existir no Sagrado; os Deuses são a fonte do que é certo e verdadeiro. Assim como possuímos limites entre nosso innangard e o que existe fora dele, o mesmo pode ser dito em relação aos Deuses. Assim como esperamos que convidados respeitem nossos limites a fim de receber nosso tratamento favorável. Então para isso precisamos respeitar os limites entre nós, o profano, e Eles, o Sagrado.
Fazer de outra forma… é perigoso.
Bibliografia:
[1] HOLLANDER. The Poetic Edda.
[2] OTTO. The Idea of the Holy.
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