Pular para o conteúdo principal

Thunor e a Grande Serpente

Importância do Contos Folclóricos e das Antigas Histórias


Muito do que conhecemos sobre a mitologia nórdica e germânica deve-se à preservação das Eddas. No entanto, as Eddas são compilações de contos populares documentadas após a cristianização dos povos escandinavos, no século XIII, e, como resultado, apresentam influências cristãs perceptíveis.

Diante disso, uma abordagem complementar e enriquecedora é a pesquisa e o registro de antigos contos populares e tradições folclóricas que ainda sobrevivem entre outros povos germânicos, bem como a exploração de fontes indo-europeias. Esses relatos são valiosas janelas para compreendermos a mitologia original dos povos germânicos, ajudando a reduzir nossa dependência exclusiva das Eddas.

O conto a seguir é uma antiga história dos Países Baixos sobre Thunor (também conhecido como Donar ou Thor), o deus do trovão, e sua batalha contra a Grande Serpente. Trata-se de uma narrativa distinta daquela apresentada no Ragnarök das Eddas, que destaca a majestade e a veneração dedicadas ao poderoso deus do trovão.


Thunor e a Grande Serpente

Era uma vez o deus do trovão, Thunor, que caminhava entre os mortais nas Terras Baixas, em uma região agora chamada Veluwe. Ele era o protetor das pessoas simples e o inimigo de todos os que desejavam fazer o mal. Muitas vezes Thunor enfrentou os gigantes do inverno e seus aliados monstruosos, que buscavam mergulhar o mundo em uma escuridão sem fim.

Em um ano terrível, com a aproximação do inverno, uma grande escuridão desceu sobre a terra, trazendo consigo os gigantes do inverno, que queriam envolver o mundo em uma geada eterna. Esses gigantes, imponentes e cobertos de gelo, estavam determinados a congelar a luz e o calor do mundo, garantindo assim seu domínio sobre tudo.

Mesmo assim, o poderoso deus do trovão resistiu firmemente contra eles, e após muitos confrontos furiosos que terminaram com a retirada dos gigantes do inverno, a primavera parecia prestes a chegar finalmente. Percebendo seu poder enfraquecer, os gigantes se aliaram a Grande Serpente, uma criatura monstruosa e serpentina com múltiplas voltas, que encarnava o caos e habitava as profundezas mais sombrias do Mar da Terra.

Os gigantes lançaram pedras de granizo dos céus, enquanto a serpente se enrolava no carvalho mais alto, despejando veneno no céu. Thunor, imperturbável, conduziu seu carro através do ar, o trovão de seu martelo sacudindo a terra. Ele enfrentou a Grande Serpente, e eles lutaram, com as voltas do imenso monstro tentando cercar e esmagar o Deus do Trovão, enquanto sua boca cheia de presas babava de fúria. Com um golpe poderoso, ele atingiu a cabeça da serpente, cravando seu martelo profundamente na terra, sete milhas abaixo.

Embora a serpente tenha sido derrotada, fez um último ataque, lançando seu veneno fétido no rosto do Deus do Trovão. O veneno começou a queimar as veias de Thunor, enfraquecendo-o. Com um estrondo retumbante, o grande deus caiu do céu. Seu carro, puxado por suas fiéis cabras, chocou-se contra o Donderberg (“Monte do Trovão”). O impacto foi tão tremendo que o chão cedeu, e águas do Mar da Terra subiram, inundando a terra e cobrindo os vestígios da batalha. Foi então que o deus do mar, Fosite, ao ouvir a queda de Thunor, soprou sua trompa, convocando um grande navio negro para levar a forma imóvel do Deus do Trovão ao reino oculto dos deuses, longe da vista dos homens.

Quando as águas recuaram, restaram dois lagos profundos: o Uddelermeer e o Bleekemeer, tão profundos quanto o mundo. O povo de Veluwe, ao testemunhar a quietude dos lagos, ficou maravilhado. No entanto, se perguntavam: quem agora os protegeria das forças da natureza, que recentemente haviam se tornado tão selvagens e imprevisíveis? De repente, um dos lagos começou a borbulhar e ferver, e eles viram o martelo de Thunor emergir das profundezas por conta própria, movendo-se sem que nenhuma mão o segurasse, como sempre fazia quando seu mestre o chamava. Ele subiu ao céu da manhã e, então, com um estrondo de trovão e um relâmpago, desapareceu. Este evento milagroso foi um sinal de que o espírito de Thunor ainda vigiava sobre eles.

Movido por esse milagre, o povo começou a venerar Thunor nos lagos, construindo altares junto ao Uddelermeer e ao Bleekemeer em honra ao seu protetor.

Notas Adicionais

Os lugares mencionados estão localizados nos Países Baixos (Holanda):

Uddelermeer:

É um pequeno lago situado próximo à vila de Uddel, na província de Gelderland, dentro da região da Veluwe. O Uddelermeer é considerado um lago de origem glaciar e tem importância histórica e natural.

Bleekemeer:

A localização exata do Bleekemeer é incerta e pode estar associada a tradições ou mitos locais. Se for um lago real, ele também estaria na região da Veluwe. No entanto, é possível que esteja relacionado a narrativas folclóricas ou históricas.

Veluwe:

Uma grande área de florestas, charnecas, e dunas cobertas de areia na província de Gelderland, no leste dos Países Baixos. É uma região de beleza natural, com parques nacionais, como o famoso Parque Nacional Hoge Veluwe, e é rica em história, incluindo vestígios arqueológicos e lendas locais.

Fonte

Van De Wall Perné, Gustaaf Frederik. Veluwsche Sagen: Eerste Bundel. Scheltens & Giltay, 1932. Digitale Bibliotheek Voor De Nederlandse Letteren, 9 Agosto de 2016.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lista de Leitura - Runas

Nos tempos modernos o assunto Paganismo Germânico e Runas é indissociável. Em um paradigma reconstrucionista, conforme nos mostram as fontes e os achados arqueológicos, reconhecemos que as runas não eram usadas para a divinação e, muito provavelmente, para magia durante o período onde a antiga religião pagã era praticada pelos povos germânicos. Existia uma dúvida quanto a questão oracular devido ao fato de que o historiador romano Públio Cornélio Tácito citava o uso de varetas com símbolos para uso divinatório, entretanto ( conforme artigo já divulgado pelo Germania Institut ) essas varetas já foram encontradas e elas não possuíam runas entalhadas. Apesar das questões supracitadas, entendemos que o uso moderno de runas para magia e divinação é um tema agregador a nossa cena e, portanto, não deve ser desconsiderado. Somado a isso temos os registros de que os povos germânicos gostavam e utilizavam com frequência consultas oraculares, ainda que não usando runas, conforme consta no trabalh...

Como Fazer Um Blot Solitário

Tradução e adaptação do texto de Robert Saas pelo professor Leonardo Hermes: https://www.aldsidu.com/post/how-to-do-solitary-ritual   Uma das maiores dificuldades daqueles que buscam seguir as tradições dos germânicos antigos é como proceder com algum ritual para honrar os deuses ou antepassados. Com isto em mente estamos trazendo um guia de como fazer um Blot solitário.  Trouxemos o passo-a-passo para que você possa fazer um ritual historicamente fidedigno e com significado.  Muitos grupos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, utilizam sangue nos seus Blots, já que esta é a origem da palavra “blood”, sangue em inglês. Contudo, entendemos que isto pode ser chocante ou um tabu muito grande para a maioria das pessoas. Lembre-se que quando se utiliza sangue, normalmente o animal é abatido e depois assado. Qualquer um que goste de churrasco e tenha ressalvas em utilizar sangue em um Blot precisa rever a sua visão do que é um Blot.  Contudo, sangue não é a única...

O Calendário de Feriados dos Germânicos Antigos

Texto traduzido e adaptado pelo professor Leonardo Hermes. Fonte: Robert Saas, https://www.aldsidu.com/post/the-historical-heathen-holidays-and-calendar  Esqueça a Roda do Ano ou Samhaim ou Yule no Solstício de Inverno. Muitas pessoas que buscam seguir o Germanismo acabam incorrendo no erro de seguir datas de feriados sem nenhum embasamento em nossas fontes, que são achados arqueológicos, as Sagas, as Eddas, textos em latim do fim da antiguidade e início da Idade Média como as Leges Barbarorum. Graças a pesquisadores como Dr. Andreas Nordberg e Andreas E. Zautner - que nos trazem novas perspectivas sobre esta questão – podemos ter um calendário mais autêntico.  Antes de mais nada, é preciso entender que a visão que temos sobre o tempo hoje é completamente diferente daquela dos germânicos antigos; para eles o ano começava com o inverno (que para nós hoje seria o meio do outono) e só tinha duas estações: inverno e verão; ambas estações começavam em uma lua cheia; o dia se inicia...