Pular para o conteúdo principal

Uma Breve Introdução a Bruxaria Germânica

                                           




    Antes de adentrarmos nesse assunto, devemos nos debruçar sobre o termo Bruxa, que vem
sendo amplamente utilizado dentro da língua portuguesa
designando o uso de poderes de cunho sobrenatural, sendo também utilizada como sinônimo de magia, feitiçaria, sortilégio ou encantação, existindo três pontos de vista principais sobre o que é bruxaria:

* O primeiro ponto de vista é o antropológico e demonstra que bruxaria é sinônimo de magia, curandeirismo, xamanismo.

* O segundo é o histórico, que através de documentos escritos analisa os julgamentos de bruxaria durante a inquisição.

 O terceiro é o da bruxaria moderna, que defende a bruxaria como uma forma de religião neopagã, esse último sendo um ponto de vista defendido por wiccanos.


Etimologia



    A etimologia da palavra é incerta, mas acredita-se que venha do italiano brucia (queima), que vem do verbo bruciare(queimar) ou de
brixtia, que vem do nome da deusa gaulesa Bricta.

 Outros indícios indicam que a palavra bruxa nasce na Era Antiga na Península Ibérica, que sua origem seria anterior à invasão romana e por consequência anterior ao próprio latim, professor doutor em Letras Claudio Moreno (UFRGS) explica em seu livro Morfologia Nominal do Português. Esta hipótese é reforçada pelo fato de só aparecer nas línguas ibéricas (português bruxa, espanhol bruja, catalão bruixa); se viesse do latim, deveria também estar presente no francês (que usa sorcière) e no italiano (que usa strega), que também pertencem à família das línguas românicas.

Já a origem da palavra witch (bruxa em inglês) vem do anglo-saxão antigo referindo-se a um ou uma vidente.

Entendendo que as palavras Witch e Bruxa não possuem o mesmo significado, precisamos compreender que o uso do termo é genérico e muitas vezes acaba distorcendo o significado de algo, um bom exemplo do que ocorre é com a questão da palavra fada, um termo genérico que abrange uma grande gama de criaturas fantásticas, sendo assim necessário se manter muitas vezes o nome original de algo para não distorcer seu significado original. 

 

Heresia

O termo Bruxa como referência a heresia entra na escandinávia a partir do século XIII, altamente influenciada pelo imaginário cristão medieval, porém diferente do modelo tradicional que geralmente temos conhecimento, povo versus elite, onde a elite da época se utilizava de acusações muitas vezes falsas para atacar os menos favorecidos, a bruxaria na escandinávia foi encarada de uma forma geral, atingindo desde o mais pobre plebeu até principes, um reflexo das crenças pré-cristãs.
   No período pré-cristão a magia era vista como algo do dia a dia para o povo germânico, sendo praticada por todos, fontes como Tácito citam o gosto que os germânicos tinham em fazer adivinhação, utilizando desde a observação de pássaros até o uso de cavalos em bosques sagrados e o uso de varetas.
  Estas práticas sendo tão naturais para esse povo ao ponto de não existir uma palavra que definisse ou causa se uma separação entre o mundano e a magia, e nem mesmo para a religião, religião vem do verbo latino religare (re-ligare) que significa RELIGAR. Ou seja: ligar de novo o ser humano a Deus, uma coisa que não fazia sentido aos antigos germânicos já que eles nunca estavam distantes dos deuses ou do mundo invisível que os cercavam, existindo uma série de crenças folclóricas, muitas mantidas até hoje, de uma espécie de código de conduta para não atrair a ira do povo invisível.

Muitas sagas nórdicas nos trazem a imagem da bruxa como mulheres que trazem conflito e
problemas, sendo associadas ao estereótipo de valquíria, como vemos em Njáls saga, já em Blakulla, a primeira menção deste tema dentro da literatura nórdica, onde o autor tenta nos introduzir ao termo Gandreid (voo de bastão), onde as bruxas faziam seu voo noturno para ir a Blakulla, uma montanha localizada na Suécia onde o diabo as encontraria para a celebração do sabbat.

 Muitos acreditam que diferente da ideia de que o voo noturno das bruxas e o sabbat seja uma crença que possa ter vindo da ásia, alguns defendem que essa crença possa ter surgido dentro da crença nórdica e na germânica, onde temos a caçada selvagem, onde hostes de espíritos cavalgam nas tempestades invernais lideradas por Wodan ou por Holda dependendo da região, outro ponto que ajuda a embasar essa crença do voo noturno é que o tema da viagem para o outro mundo é extremamente frequente dentro dos mitos nórdicos.

Assim podemos ver que a imagem da bruxa dentro da cultura nórdica não era das melhores, sendo temidas e relacionadas a maus presságios e infortúnios, sendo evitadas e até mesmo hostilizadas, podem esses relatos serem um reflexo da cultura cristã já instaurada na época que tais registros foram feitos ou não, já que algumas fontes citam algumas classes de praticantes de curandeirismo sendo bem aceitos e outros que usavam suas artes sendo hostilizados, sendo esses referidos como Troll.

 

Troll

Troll muitas vezes ligado ao imaginário de uma criatura gigante que vive embaixo de pontes ou
em cavernas, o que na verdade está apenas meio certo, pois essa criatura a quem se referem nessas lendas seriam gigantes ou qualquer outra coisa, pois troll é a palavra utilizada para se referir a magia prejudiciais, sendo até o nome de uma arte mágica conhecida como uma espécie de magia negra sueca chamada trolldom.

Outro indicativo interessante do uso da palavra troll sendo relacionada a magia nociva é o amuleto conhecido como troll cross, que serviria para proteger as crianças de feitiçaria maligna vindo de bruxas.

 

Bruxaria como religião


Dentro das crenças germânicas, o mais importante era o papel de cada um dentro da tribo e do clã, todos desempenhavam sua função, assim os praticantes de artes ditas como mágicas na verdade eram curandeiros, videntes e sacerdotes, Tácito em sua obra Germania cita duas sacerdotisas que eram adoradas como deusas por algumas tribos, e que todos escutavam seus conselhos e confiavam em suas previsões.

  Outra citação mostra que os sacerdotes eram os únicos que poderiam prender, julgar e punir uma pessoa, assim mostrando sua importância para o bem de toda uma sociedade.

As Dísir são uma boa fonte de entendimento sobre esse tema, sendo elas espíritos de mulheres sábias que em sua vida se dedicaram a tribo, curando, guiando a tribo com seus conselhos e augúrios, realizando partos ou cuidando dos rituais e da relação com os deuses e os espíritos, existindo inúmeras lendas que sobreviveram até os dias de hoje sobre espíritos que vivem em montes e auxiliam aqueles que as procuram em troca de oferendas.

 

Conclusão

Para finalizar, devemos compreender que ao usarmos o termo bruxa, ainda mais em portugues, estamos utilizando um termo guarda chuva, que engloba uma infinidade de outras denominações, sendo bem diferente do termo inglês derivado do saxão witch, que se refere a videntes, não sendo apenas esse, como tantos outros que acabam não tendo uso ou até mesmo equivalente em portugues como sorcerer, enchantress entre outros, sendo aconselhável utilizar os termos originais para evitar erro ou até mesmo ofensa, lembre-se a vovó que faz seus benzimentos iria odiar ser chamada de bruxa, assim como uma vidente odiaria ser chamada de troll.

Então não existe uma “bruxaria” germânica, mas sim um apanhado de práticas mágicas ou não, de curandeirismo, vidência e sacerdotal, que eram muito bem vistas e aceitas dentro da tribo e do espectro cultural germânico e nórdico, sendo os praticantes de artes negras, os trolls, nada bem vistos e por muitas vezes evitados e hostilizados dentro da mesma, em breve seguiremos uma grande série de postagens se aprofundando em cada tema aqui abordado, até breve!



Comentários

  1. Excelente explicação e considerações! Fiquei com uma dúvida a respeito do Seidr, Galdr e Spá... São práticas pertencentes ao paganismo nórdico, é isso? Sei que o blog é voltado ao paganismo germânico, porém não consegui sanar essa dúvida ainda. Desde já agradeço pelos conteúdos e pela atenção.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Lista de Leitura - Runas

Nos tempos modernos o assunto Paganismo Germânico e Runas é indissociável. Em um paradigma reconstrucionista, conforme nos mostram as fontes e os achados arqueológicos, reconhecemos que as runas não eram usadas para a divinação e, muito provavelmente, para magia durante o período onde a antiga religião pagã era praticada pelos povos germânicos. Existia uma dúvida quanto a questão oracular devido ao fato de que o historiador romano Públio Cornélio Tácito citava o uso de varetas com símbolos para uso divinatório, entretanto ( conforme artigo já divulgado pelo Germania Institut ) essas varetas já foram encontradas e elas não possuíam runas entalhadas. Apesar das questões supracitadas, entendemos que o uso moderno de runas para magia e divinação é um tema agregador a nossa cena e, portanto, não deve ser desconsiderado. Somado a isso temos os registros de que os povos germânicos gostavam e utilizavam com frequência consultas oraculares, ainda que não usando runas, conforme consta no trabalh...

Como Fazer Um Blot Solitário

Tradução e adaptação do texto de Robert Saas pelo professor Leonardo Hermes: https://www.aldsidu.com/post/how-to-do-solitary-ritual   Uma das maiores dificuldades daqueles que buscam seguir as tradições dos germânicos antigos é como proceder com algum ritual para honrar os deuses ou antepassados. Com isto em mente estamos trazendo um guia de como fazer um Blot solitário.  Trouxemos o passo-a-passo para que você possa fazer um ritual historicamente fidedigno e com significado.  Muitos grupos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, utilizam sangue nos seus Blots, já que esta é a origem da palavra “blood”, sangue em inglês. Contudo, entendemos que isto pode ser chocante ou um tabu muito grande para a maioria das pessoas. Lembre-se que quando se utiliza sangue, normalmente o animal é abatido e depois assado. Qualquer um que goste de churrasco e tenha ressalvas em utilizar sangue em um Blot precisa rever a sua visão do que é um Blot.  Contudo, sangue não é a única...

O Calendário de Feriados dos Germânicos Antigos

Texto traduzido e adaptado pelo professor Leonardo Hermes. Fonte: Robert Saas, https://www.aldsidu.com/post/the-historical-heathen-holidays-and-calendar  Esqueça a Roda do Ano ou Samhaim ou Yule no Solstício de Inverno. Muitas pessoas que buscam seguir o Germanismo acabam incorrendo no erro de seguir datas de feriados sem nenhum embasamento em nossas fontes, que são achados arqueológicos, as Sagas, as Eddas, textos em latim do fim da antiguidade e início da Idade Média como as Leges Barbarorum. Graças a pesquisadores como Dr. Andreas Nordberg e Andreas E. Zautner - que nos trazem novas perspectivas sobre esta questão – podemos ter um calendário mais autêntico.  Antes de mais nada, é preciso entender que a visão que temos sobre o tempo hoje é completamente diferente daquela dos germânicos antigos; para eles o ano começava com o inverno (que para nós hoje seria o meio do outono) e só tinha duas estações: inverno e verão; ambas estações começavam em uma lua cheia; o dia se inicia...