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Os Antigos germânicos/escandinavos celebravam aniversários?
 

 

   Após ter lido um artigo do blog Aldsidu (Leia aqui) ficou claro que a europa pré-cristã não conhecia o conceito de "semana" até que este fosse importado do Oriente Médio. Uma semana de sete dias era desconhecida na cultura Proto-indo-europeia. Ficou claro também que no Novo Testamento bíblico, escrito no final do primeiro século, não havia nenhuma palavra para "semana", mas contava dias a partir do Sábado.  "Um do Sábado" no Novo Testamento grego é traduzido como "primeiro dia da semana" nas Bíblias modernas. ( o que nos sugere que o mundo greco-romano ainda não tinha uma palavra para uma "semana" quando a Bíblia estava sendo escrita) .  

   Mesmo nos dois primeiros séculos da era comum, os escritos não só da Bíblia, mas também dos padres da Igreja citam: "Um (dia) do sábado" como domingo, ou "O Dia do Senhor" (ou eles apenas o chamavam de "Oitavo Dia").  O "Oitavo Dia" é uma frase comum na literatura cristã primitiva.

   Um fato chocante, que a maioria das pessoas não sabe, é que houve apenas duas festas/celebrações de aniversário na Bíblia.  Isso mesmo, as culturas semitas não celebravam aniversários nos tempos bíblicos.  Uma das duas celebrações de aniversário na Bíblia está no livro de Gênesis, onde o Faraó faz uma festa de aniversário, onde José através de um sonho previu que um copeiro seria solto e um padeiro perderia sua vida. (Gênesis 40). Por favor, note que o Faraó é egípcio, não é hebreu (ou israelita.) 

   A outra festa de aniversário na Bíblia é onde Herodes Agripa, um Idumeu, tem uma festa de aniversário.  Os Idumeuanos também não eram israelitas, pois os Idumeuanos eram descendentes de Edom ( uma área fora de Israel) no entanto, Herodes, o Governante Idumeu (nomeado por Roma) fez uma festa de aniversário e uma convidada chamada Salomé dançou tão bem, que ele lhe prometeu tudo o que ela pedisse, e ela pediu a cabeça de João Batista e João foi decapitado. (Mateus 14:1-12; Marcos 6:14-27; Lucas 9:9)

    No entanto, na bíblia, há apenas duas celebrações de aniversário, e ambas foram feitas por gentios (não judeus), que matam as pessoas em seus aniversários.  Existem seitas judaicas ultra-ortodoxas que ainda hoje não celebram aniversários, pois consideram que os aniversários não são um ensinamento transmitido por Moisés  e sua lei.

    Dito isto, alguns povos não judeus certamente celebraram aniversários antes do início da era comum, mas as festas de aniversário no norte da Europa só foram celebradas após a cristianização.  Uma palavra para "dia de nascimento" (burðar-dagr) existe em Nórdico antigo, mas só aparece após o fim da Era Viking, quando a Escandinávia  já havia se tornado cristã, e geralmente apenas em referência ao nascimento de Cristo.  

   Os germano-escandinavos gostavam de saber quantos invernos uma pessoa havia vivido e celebravam certos marcos, como uma cerimônia de dentição, quando todos davam presentes a um bebê que tinha vivido o suficiente para perder um dente (cerca de um ano) e assim sobreviveu à parte mais perigosa da infância e teve pelo menos 60% de chance de chegar aos 15 anos.

 

O Calendário Lunisolar dos Povos Germânicos:

  

   Manter aniversários em um dia específico de uma certa lua seria mais difícil no mundo germânico pré-cristão pagão. Os povos germânicos e escandinavos tinham "dias de lua" e não "dias de uma semana". Eles não seguiam os calendários solares da maneira como fazemos hoje. A Edda Poética também tem dias de lua minguante e crescente.

   Os Povos Escandinavos são Povos Germânicos.  As antigas línguas nórdicas são línguas germânicas, e as tribos germânicas (incluindo os escandinavos) todos veneravam os Aesir.  Mas em todas as línguas germânicas, a palavra "lua" está relacionada com a palavra "mês".  Um "mês" é um ciclo lunar.  Em línguas germânicas, se você acrescentar um "th" a um número (como acrescentar "th" a "seis" vai ter sixth "sexto") e agora você tem números sequenciais.  Em línguas germânicas, quando se acrescenta um "th" à palavra "lua", obtém-se a palavra "mês" ( moonth - month ).  

   Entendo hoje que os meses são completamente distantes das luas, mas para ser franco, o cristianismo e Roma trouxeram costumes que não faziam muito sentido.  É estranho que hoje um "mês" seja um período completamente distanciado da lua e, portanto, usar a palavra "mês" para períodos de tempo que não têm nada a ver com a lua é ilógico; A questão é que Roma e o cristianismo romano trouxeram muitos pensamentos ilógicos para o mundo germânico pré-cristão. (E naturalmente também trouxeram coisas boas...)

 

Como é que os germânicos pré-cristãos diziam sua idade?

   O calendário solar é algo com que todos se sentem confortáveis, pois vivemos por um calendário puramente solar e nascemos em um mundo que ignora a lua.  As pessoas não olham mais para o sol para dizer que hora do dia é, nem olham mais para a lua para dizer que dia do ciclo lunar é.  Se o mundo perdesse toda sua tecnologia hoje, a humanidade provavelmente lutaria para sobreviver, já que a tecnologia nos "descolonizou".  Mas, no entanto, historicamente os pagãos contavam sua idade pelo número de invernos que viviam.

 Na Ynglinga Saga de Heimskingrla (capítulo 34):

 "Houve um grande Blot e muitos reis vieram como em pleno inverno". E num inverno, quando muitas pessoas estavam reunidas em Uppsala, o rei Yngvar estava lá com seus filhos, que tinham seis invernos".

   Podemos encontrar várias outras passagens como esta.  Inclusive os antigos saxões tinham até uma palavra "uuintargitalu" (pronunciada "winter-yi-ta-lu") que significava "anos de inverno". As Noites de Inverno (segundo as Sagas) são o início do ano germânico, e as Noites de Inverno sucedem um Blot para um bom ano.  Os pagãos simplesmente declararam a idade que tinham, declarando quantos invernos viviam. 

Ynglinga Saga  Capítulo 8 :

"Odin estabeleceu a mesma lei em sua terra que estava em vigor em Asaland... No dia de inverno (primeiro dia de inverno) deveria haver um Blot para um bom ano, e no meio do inverno para uma boa colheita; e o terceira Blot deveria ser no dia de verão, o blot do "dia da vitória" (sigurdblot).

 

Os antigos saxões e os aniversários

    Quando os antigos saxões foram convertidos à força nos séculos VIII e IX (os saxões da antiga Saxônia, a maioria dos saxões não se mudou para Inglaterra), a Heliand, um poema (como Beowulf) mas com intuito diferente, foi escrito para apresentar Cristo como um Herói Pagão.  

   Neste poema épico, escrito para converter os saxões, o poeta escreveu o ideal romano e o ideal pagão, para explicar aos saxões costumes "diferentes".  Por exemplo, a crucificação era uma forma romana de punição capital desconhecida para os saxões.  Assim, na Heliand, escrita cerca de 830 DC/EC, a crucificação é descrita desta forma: "pregado em uma cruz, pendurado em uma árvore".  

   Isto pode nos parecer "estranho" ao lê-lo hoje, pois não se pode ser pregado em uma cruz e pendurado em uma árvore ao mesmo tempo, mas novamente, os antigos saxões não estavam familiarizados com a crucificação.  Os Antigos Saxões entenderam enforcar prisioneiros de guerra para Uuoden (Odin), e atingir com lanças os prisioneiro enforcados, como Uuoden outrora foi enforcado no Irminsul (Yggdrasil) e se atingiu com sua lança também. 

Assim, para explicar a crucificação aos saxões, vemos passagens como estas duas (para apenas dois exemplos):

  



   Então, o que isso tem a ver com aniversários para os antigos saxões?  A Heliand explica de forma clara o que é uma festa de aniversário para os saxões, e nenhum equivalente saxônico é dado.  A Heliand afirma que as festas de aniversário eram um costume dos judeus.  O que, claro, é totalmente FALSO, como expliquei acima!  O povo judeu celebrando aniversários é um costume moderno para eles. A igreja, em seu antissemitismo, nunca entendeu os judeus e nem a Bíblia hebraica/judaica muito bem.  Há uma razão pela qual o novo testamento contradiz totalmente a Bíblia judaica, e há uma razão pela qual os cristãos nunca a aprenderam.  Foi a igreja que chamou a Bíblia judaica de "o Antigo (e irrelevante) Testamento".

 

    De volta aos aniversários, a Heliand chama os aniversários de "Thau dos judeus". (Um costume dos judeus.) Isto implica que até mesmo os cristãos não estavam comemorando aniversários nesta época.  Esta é uma clara indicação para os leitores/ouvintes saxões da Heliand, de que os aniversários eram vistos pela igreja como uma coisa "judaica".  E apenas dois dos quatro evangelhos da vida de Jesus registram até mesmo o nascimento de Jesus.  A celebração do nascimento de Jesus foi na verdade debatida pela igreja primitiva, mas adotada mais tarde.  Parece que a igreja primitiva seguiu originalmente o desdém judaico do primeiro século pelos aniversários.

   Aqui está uma passagem da Heliand, escrita em Saxão por volta de 830 da era comum, começando no versículo 2728:

 

  

   Agora meu caro leitor, você deve estar se perguntando: " Só porque os aniversários não estão na Heliand, então os antigos germânicos não os comemoravam ?  Para ser franco, uma festa de aniversário está na Heliand, mas as festas de aniversário não estão nas Eddas, nem em nenhuma das 700 Sagas ou Poemas.  

   Não estou dizendo a vocês que reconstrucionistas não podem dar festas de aniversário para seus filhos; muito pelo contrário, as festas de aniversário modernas são uma celebração familiar secular de amor pelo aniversariante. 

   Estou simplesmente afirmando que, historicamente, os antigos germânicos não celebravam aniversários antes da cristianização.

    Deixo aqui um desafio, para que tentem encontrar uma passagem nas Eddas ou alguma Saga mostrando uma festa/celebração de aniversário.  

(PS- Posso mostrar nas sagas que os cristãos escandinavos iam à missa, portanto, por favor, encontrem um PAGÃO nas sagas celebrando um aniversário.  

Muitas das sagas são escritas sobre cristãos como a Saga de Hakon, o Bom, que foi "o grinch que roubou Yule", movendo-a da lua cheia de Jolmanuthr (Yule Moon) para o Solstício no Calendário Juliano (25 de dezembro), como forma de impor a Missa de Cristo (Natal).

 

   O judaísmo celebra Jahrzeits (o aniversário da morte de alguém.) Os pagãos tinham uma prática semelhante, pois posso mostrar passagens da saga de pagãos fazendo um Blot para seu pai ou membros da família falecidos.  Na Saxônia Antiga havia também um ritual chamado erƀifalu (esta palavra é reconstruída a partir da palavra "erfi" do Nórdico Antigo). Isto é feito algumas luas após o funeral, onde há um brinde em memória do falecido ancestral e recebimento da herança pelos herdeiros.

 

Então, os pagãos historicamente comemoravam aniversários?  Provavelmente não. 

 

   Mas não estou argumentando que não devemos comemorar a vida de nosso ente querido com uma festa de aniversário hoje.  Mas, os deuses deram  Alfheim à Freyr como um presente de dentição (quando o indivíduo perdeu seu primeiro dente) . 

Por que os presentes de dentição pararam? (Um pensamento interessante...)


ESTE TEXTO É FRUTO DA COLABORAÇÃO ENTRE ALDSIDU - OLD SAXON HEATHENRY  E GERMANIA INSTITUT .

Texto original por: Robert Saas - Aldsidu - Disponível aqui !

Traduzido e adaptado por Abner Wandekin -

 

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