Wodan é uma deidade envolta em mistério e que ainda assim inspira e fascina as pessoas até hoje. A memória de Wodan, ou Odin, como é mais conhecido hoje em dia, nunca foi realmente perdida, ao contrário de várias outras deidades germânicas cujos nomes são as únicas coisas que conhecemos hoje em dia. As lendas de Wodan vivem até hoje através de versões cristianizadas de velhos rituais europeus que ainda são praticados. Este arquétipo ainda é incrivelmente visível, vide Tolkien e o seu trabalho em O Senhor dos Anéis, a ópera épica escrita por Wagner durante o século XIX e outras mídias mais recentes como o livro Deuses Americanos.
Quem é Wodan exatamente e quais
são as teorias que temos em relação ao seu culto?
Hoje em dia Wodan é tido como a
deidade principal do panteão germânico. Esta impressão vem em grande parte de
fontes medievais como as Eddas. Contudo, existem sérias dúvidas sobre como os
germânicos antigos o viam. Discutirei estas dúvidas mais para frente. Wodan é visto
como um deus da morte, magia, sabedoria, trapaça e como aquele que traz as
runas. Ele possui incontáveis nomes e uma lista completa seria simplesmente
longa demais para postar aqui e eu farei um post separado com a lista de nomes.
A origem do seu nome vem do Protogermânico
Wodanaz, que era falado 2.500 anos atrás, que significa “líder dos furiosos”,
ou “daqueles em êxtase[1]”.
Aqui podemos identificar a primeira pista sobre como os nossos ancestrais
Germânicos mais antigos enxergavam esta deidade. As representações mais antigas
de Wodan/Wodanaz são muito diferentes daquela de Odin com a qual estamos
familiarizados. Podemos até aplicar a lei de Grimm na palavra protogermânica e
chegar até a raiz protoindo-europeia ”Weht”, que significa “estar excitado”.
Fica claro que as representações mais antigas de Wodan são de um deus cheio de
paixão/fúria desenfreada.
Este significado antigo de “fúria”
ainda pode ser encontrado em línguas germânicas modernas como holandês e o
alemão. A palavra holandesa “Woede”, que significa “fúria”, evoluiu diretamente
da palavras em holandês antigo “Woed”, que também é um nome utilizado para
descrever Wodan. Este significado protoindo-europeu também pode se referir ao
estado de êxtase experimentado pelos xamãs durante suas jornadas em transe, coincidentemente outro aspecto importante de Wodan. Talvez o seu nome esteja mais ligado ao
trabalho dele como um xamã do que com fúria literal, no sentido de raiva.
Quando foi que Wodan foi introduzido aos povos germânicos ou protogermânicos? Historiadores não tem certeza quanto a isto e já que não temos registros escritos, tudo o que temos são teorias. A mais plausível que temos no momento é a de que os proto-indo-europeus trouxeram sua cultura religiosa e língua quando para a Europa quando eles invadiram o continente durante a Idade do Bronze. Existem similaridades impressionantes entre várias deidades entre panteões europeus diferentes. A teoria é a de que o deus chefe dos proto-indo-europeus , Dyeus Phter – o Deus Pai, o Pai do Céu, se desenvolveu em vários deuses diferentes por quase toda Europa e Ásia: Zeus, Odin, Perun, Tiwaz, Júpiter, Dagda, Dievas, Papaios e Brahma. É interessante prestar atenção ao fato de que os Deuses germânicos desta lista não estão ligados etimologicamente a Dyeus Phter, ou Dyeus Piter em indo-europeu. Odin vem de Wodan, cuja etimologia foi explicada acima. Apesar disto, é geralmente aceito que Odin funciona mitologicamente como Dyeus Phter – ele não tem o epiteto de pai de todos à toa. Contudo, Wodan é uma figura mais antiga, não tem esta função. Também é geralmente aceito que Tiwaz é uma evolução da palavra Dyeus, e não Dyeus Phter. Isto nos leva à várias questões: quem é o Dyeus Phter do panteão germânico? Então de onde vieram Donar e Wodanaz? Teriam eles se desenvolvido ao mesmo tempo que Tiwaz? Serão eles aspectos diferentes do Dyeus proto-indo-europeu representado em deuses diferentes ao invés de um só?
Outra teoria sugere que em algum
momento Wodan tenha sido um humano, um xamã Sámi que foi endeusado pelos povos
norte-germânicos que estavam em contato com a cultura Sámi com bastante
regularidade. Talvez ele tenha sido um poderoso xamã que tenha entregado uma
importante vitória aos Sámi ou suas habilidades xamânicas eram tão respeitadas
pelos povos germânicos que eles o adotaram em sua crença. Um problema com esta
teoria é que aparentemente os Sámi adotaram o seu Deus do Trovão dos
germânicos, Horagalles que carrega um martelo e controla o trovão com ele. Teriam
os Sámi adotado e emprestado um Deus? Ninguém sabe... outra teoria ainda mais
maluca sugere que Wodan foi um druida celta que foi simplesmente endeusado
pelos povos germânicos. Nós temos certeza que a cultura germânica adotou
elementos tanto da cultura celta quanto da sámi, mas jamais saberemos se eles
adotaram um homem que viria se chamar Wodan/Odin.
Combinar estas teorias leva a
possível sugestão de que Wodan foi primeiramente cultuado pelos germânicos/Protogermânicos
por volta do fim da Idade do Bronze ou início da Idade do Ferro, entre 1.800 e
1,200 a.c. em uma área que engloba: o norte da Alemanha, o nordeste dos Países
Baixos e Dinamarca. Isto no entanto é apenas uma teoria, de jeito nenhuma uma
certeza.
A primeira menção escrita de
Wodan vem do escritor romano Tácito em 98 d.C. Em seu trabalho intitulado Germania, Tácito descreve várias tribos,
um pouco da cultura e estilo de vida delas e o nome de várias deidades. Os
nomes destas foram latinizados, como era o costume no Império Romano. Tácito
compara Wodan ao deus romano Mercúrio, pelo fato de Mercúrio também ter a
importante tarefa de acompanhar os mortos ao pós-vida/submundo. Aparentemente,
Wodan foi descrito apenas como o Deus da Morte ao invés de ser o Deus chefe do
povo germânico. Também é interessante notar que tanto Mercúrio quanto Wodan aparecem
como velhos viajantes carregando um cajado e um chapéu e ambos são conhecidos
por vagarem pelos mundos.
Outra pista do papel de Wodan no
panteão germânico antigo é revelado pelas palavras de Tácito e pela teoria da
origem protoindo-européia. O Deus mais importante do panteão romano é Júpiter,
também conhecido como Zeus no panteão grego. Ambos deuses parecem e soam
extraordinariamente similares com o Deus Chefe Dyeus protoindo-europeu. No
entanto, Tácito equiparou Júpiter com outra deidade germânica, Donar/Thor. É
possível que Wodan não fosse o Deus Chefe do panteão germânico durante a Idade
do Ferro e que esta posição pertencesse tanto a Tiwaz quanto Donar, dependendo
da localização geográfica da tribo. A transição para Wodan como Deus Chefe
muito provavelmente aconteceu durante o início da Idade Média.
Outra menção escrita de Wodan,
tirando as fontes da Era Viking, vêm do famoso “encantamento das nove ervas”
descoberto na Inglaterra, datado do Século X.
“A serpente veio rastejando mas
não destruiu ninguém
Quando Woden pegou nove galhos de
glória,
E atacou a cobra ela se quebrou
em nove pedaços
Lá guardou maçã e veneno
Assim a cobra jamais entraria na
casa novamente”
Wodan é também mencionado
brevemente no Indiculus Superstitionum Et
Paganiarum, uma lista escrita durante o Século VIII em algum lugar no que
chamamos hoje de Alemanha. O escritor deste documento é desconhecido, mas
suspeita-se que um missionário holandês chamado Liudger tenha escrito esta lista
condenando 30 práticas pagãs:
"20: De feriis quae faciunt
Jovi vel Mercurio
Os banquetes honrando Donar ou
Wodan”
Também há uma passagem em um poema
rúnico em inglês antigo, possivelmente do século VIII ou IX, que menciona a
runa Ansuz, uma runa diretamente ligada a Wodan:
“deus é a origem de toda
linguagem
a fundação da sabedoria e o
conforto do sábio
e para a esperança e bem-aventurança do herói”
A palavra “Os” que foi utilizada para
descrever Deus não é uma palavra que os cristãos teriam utilizado para
descrever o seu deus. Então, mais provavelmente, ela se refere à deidade pagã
diretamente ligada a esta runa, Wodan.
Outra menção por escrito vem dos Feitiços
de Merseburg, registrados no Século X por um clérigo cristão na Alemanha atual,
mas as suas origens são, provavelmente, muito mais antigas:
“Phol e Woden viajaram para a
floresta.
Então o potro de Baldur torceu o
pé.
Então, Sindgund e Sunna, sua irmã,
o encantaram,
Então, Frija e Volla, sua irmã, o
encantaram,
Então Wodan o encantou da melhor
maneira que pode,”
O último registro por escrito que
eu quero mencionar vem do poema Maxims I, em inglês antigo, escrito em algum
lugar durante o Século X:
"Woden worhte weos"
"Woden criou ídolos"
Nós também temos achados
arqueológicos na forma de objetos que são diretamente ligados a Wodan, como
amuletos, fíbulas e até um possível local de sacrifício. Alguns destes exemplos
são: a fíbula encontrada em Heiloo, na Holanda, datada no Século VII no Reino
das Frísia e um local de sacrifício, possivelmente dedicado a Wodan, em
Velserbroek, na Holanda, datada de 300 a.C. Mais objetos parecidos foram
encontrados na Alemanha e na Dinamarca. Algo curioso sobre estes objetos é que
nenhum deles parece ser muito antigo, de períodos como 1.200-300 d.C. Talvez os
povos germânicos expressassem a sua veneração por esta deidade em estátuas de
madeira como as encontradas em pântanos através da Alemanha, Holanda e
Dinamarca. Nós simplesmente não sabemos se estas estátuas de madeira poderiam
ter representado Wodan.
O papel de Wodan parece ter
mudado bastante durante o início da Era Medieval na Escandinávia, transformando
a sua função no panteão germânico para sempre. Aqui vão algumas das diferenças
chave entre o Odin medieval e o Wodan da Idade do Ferro:
Wodan: Deus da morte e trapaça,
mago habilidoso, agia basicamente como o barqueiro dos mortos, representa fúria
e um estado de êxtase (xamanismo), líder da Caçada Selvagem, enganador, Deus
andarilho com um cajado e capa, temido e respeitado pelos povos germânicos.
Odin: Deus da morte e da guerra,
hábil em magia e na arte do seidr, aquele que trouxe as runas, sacrificou um
olho por sabedoria, age de maneira racional, criador da humanidade, possui o
seu próprio reino, Vahalla para os caídos em batalha, metamorfo e conhecido por
fazer qualquer coisa pela recompensa do conhecimento, dono de Sleipnir.
Teoriza-se também que a lenda da
Caçada Selvagem nasceu com Wodan. Durante o início do inverno, tradicionalmente
no meio de novembro/início de dezembro[2],
Wodan desceria ao nossos mundo e cavalgaria os céus em seu cavalo com sua hoste
de não-mortos. Caso você tivesse o azar de ver Wodan nos céus, você
provavelmente iria morrer logo e se juntar à sua caçada. Para evitar que isto
acontecesse, as pessoas davam oferendas à caçada. Esta tradição continua muito
viva ainda em países como Holanda, Alemanha, Áustria, Bélgica e região norte da
França em uma versão cristianizada conhecida como Sinterklass, que hoje em dia
cavalga em seu cavalo sobre os telhados dos humanos, entregando às crianças
presentes ou punindo-as por mau comportamento. Crianças ainda colocam cenouras
em seus sapatos para alimentar seu cavalo, uma versão moderna de Sleipnir. Há
também a tradição de Midwinterhoornblazen na Holanda, onde as pessoas sopram um
berrante para dar boas-vindas a Wodan e sua caçada selvagem. Esta tradição está
viva até hoje.
Existem outras tradições na
Holanda que vêm dos tempos pagãos e são provavelmente ligadas a Wodan: pendurar
a placenta em um carvalho após dar à luz, a celebração de Sint Maarten, um
velho andarilho que anda em seu cavalo e compartilha sua capa com pessoas que
estão passando frio e possivelmente o jogo folclórico de paalzitten.
[1]
NT: A parte “líder dos furiosos ou daqueles em êxtase” não estava no texto
original mas foi adicionada baseada no vídeo “The True Meaning of Odin’s Name”, do Dr. Scott T. Shell - https://www.youtube.com/watch?v=g5YukRvc6J0
[2]
N.T. A escritora é holandesa, consequentemente, o inverno lá acontece no fim do
ano.
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