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Ostara - História, mitos, fatos e curiosidades

Ostara / Eostre

Proto-germânico: *Austrôn ("Oriental")

Germânico ocidental: Easter (inglês), Eostra (anglo-saxão), Eostre (anglo-saxão), Ooster (holandês), Ostara ou Ostar (alemão)

Atualmente o assunto acerca de Eostre ou Ostara é certamente polêmico e confuso dentro do meio pagão. É comum referem a Eostre como uma deusa germânica de culto a fertilidade com um festival próprio realizado no que chamamos atualmente de Páscoa. Para acrescentar ainda mais problemas a essa questão o Sabbath Wicca de primavera chama-se Ostara e, como a Wicca influenciou diretamente o movimento neopagão, criou-se um senso comum de que os povos europeus realmente chamavam dessa forma o equinócio vernal.

Para tentar desmistificar essa questão e traze-la para um olhar da religiosidade germânica, segue um compilado de mitos e fatos acerca de Ostara / Eostre:

Mitos

1. Ostara é uma deusa nórdica.

2. A Páscoa foi nomeada como Ostara para satisfazer pagãos nos tempos históricos.

3. Existe uma fonte histórica para uma deusa chamada Ostara (veja o artigo da wikipedia sobre Ostara, que está incorreto. A Wikipedia afirma que existe uma fonte histórica sobre Ostara. Existem duas fontes históricas sobre Ostar ou Eostre, em dois calendários históricos diferentes que sobreviveram à destruição cristã. )

4. Ostara era venerada no Equinócio de Verão pelos povos Germânicos.

Fatos

1. Temos duas Eddas e mais de 700 Sagas e Poemas sobreviventes, bem como um calendário registrado no século 10 pelo Althing islandês. As Eddas, mais de 700 sagas, e o Calendário Nórdico registrado pelo Althing têm ZERO menções de "Eostre". Por quê? Eostre não é uma deusa nórdica.

2. De acordo com o calendário nórdico e as sagas nórdicas, os nórdicos celebravam Sigrblot como o início do verão. Essa celebração era comemorada na mesma lua cheia que os anglos, saxões e francos comemoraram o início do verão chamado "Ostar" ou "Eostre". (tanto Ostar quanto Eostre são pronunciados da mesma forma.)

3. Eostre é mencionada nos capítulos 15 e 62 do De Temporum Ratione de Beda. Beda fala da "lua de Eostre" como a quarta lua do calendário anglo-inglês. (O Venerável Beda escreveu De Temporum Ratione no ano 725 dC).

4. De acordo com o capítulo 62 do De Temporum Ratione de Beda, a igreja datava a Páscoa da mesma forma que os pagãos: através da lua cheia. Segundo Beda, os saxões/anglos iniciavam suas estações de inverno e verão após os equinócios, nas luas cheias. Winterfylleth era a lua cheia que começava o Inverno, e seis luas cheias depois, a lua cheia de Eostre começava o Verão. A Igreja data a Páscoa como “o primeiro domingo após a primeira Lua Cheia após o Equinócio Vernal”. Isso tem clara influência da paganismo Saxão e Anglo.

4. Ostar é atestada em Vita Karoli Magni (capítulo 29) escrito por Einhard por volta de 830 dC. Nessa obra é citada a "lua de Ostar" que era precedida plea terceira lua do ano franco chamada de Lenzi-moon (Lua de Quaresma ou Lua prolongada).

5. Ostar é como os saxões na Saxônia e os francos na Frankia (a maioria das tribo saxônica não foi para a Inglaterra no período da migração) pronunciavam a Páscoa. Como citado acima, os nomes "Quaresma" e "Ostar" influenciaram a igreja durante a conversão cristã desses povos.

6. Os francos foram a primeira tribo germânica a se converter ao cristianismo com seu rei Hlodouuig (Clóvis) em 496 dC. Os francos introduziram o título “Páscoa” à Igreja.

7. Os cristãos tinham mais ódio contra um grupo de pessoas do que os pagãos: os judeus. A Igreja renomeou a Páscoa de Cristo, para o título “A Última Ceia”, pois a Páscoa era considerada pior do que os feriados pagãos. A palavra Eostre era uma forma de se referir a ressureição de Cristo e ajudou os pagãos germânicos a se encaixarem melhor na igreja. (O Natal, no entanto, foi determinado muito antes de a igreja entrar em contato com os pagãos germânicos, e o Natal tem a ver com a Saturnália romana e grega, não com o “Yule” nórdico. A Igreja não entrou em contato com os nórdicos por séculos após o tempo de Clovis)

8. Ostara é um Sabbath Wicca. O fundador da AFA e Asatru na América deixou a Wicca em 1974 e trouxe a Roda do Ano Wicca para Asatru e, portanto, não tem relação nenhuma com o paganismo germânico.

9. Curiosamente Tácito não cita Eostre ou Ostar em sua obra Germania fruto de seu contato e estudo das tribos germânicas.

Conclusão

A concepção de que Ostara / Ostar / Eostre seja uma deusa não tem base histórica. O que as duas menções históricas (De Temporum Ratione e Vita Karoli Magni) nos evidenciam é que Ostara era a lua cheia que marcava o equinócio vernal. Ainda seguindo as fontes temos que o blót que era realizado nesta época do ano era o Sigrblot, algo que fica muito claro no Heimskringla (Ólafs saga helga/77). 

Para dar ainda mais credibilidade a esta tese, temos em Heliand (um poema épico saxão) o uso da palavra Pascha para páscoa e não Ostara ou Eostre. Ainda no Heliand a palavra Ostar é utilizada para se referir a sábios que viajaram "do leste" e não a uma celebração ou deusa.

Somando isso tudo a origem da palavra Ostar / Eostre do proto-germânico era Austrôn que significa Oriental ou Leste, percebe-se que Ostara trata-se da lua cheia antes do nascimento do Sol ao LESTE que marca o equinócio vernal (vale a nota de que os antigos povos germânicos consideravam apenas duas estações: inverno e verão).

Uma curiosidade interessante é que os indo-europeus (e provavelmente os proto-germânicos também) sempre rezavam voltados para o leste, porque é aí que o sol nasce, então o nome Ostara ("O oriental") pode ser um kenning¹ para uma deusa que era adorada dessa maneira. Como a Lua de Ostar marcava o início do verão / primavera (conforme já explicado anteriormente) e, com isso, o fim do frio e o florescimento da natureza, não é difícil associar Ostar a um kenning de uma deusa da fertilidade.

Em suma, Ostara para os antigos germânicos era a lua que antecedia ao equinócio vernal e não uma deusa ou mesmo uma festividade. Com a luz do estudo das fontes fica claro que o praticante do paganismo germânico nos dias de hoje deveria celebrar o Sigrblót (este sim largamente evidenciado) do que um festival estrageiro a esta visão de mundo.

Fontes

1 . Beda, O Venerável – De Temporum Ratione

https://katab.asia/special/De_temporum_ratione.pdf

2 - Einhard - Vita Karoli Magni

https://docero.com.br/doc/s18x1e

3 - Snorri Sturluson - Heimskringla 

https://www.gutenberg.org/files/598/598-h/598-h.htm

4 - Heliand

http://www.hieronymus.us.com/latinweb/Mediaevum/Heliand.htm

5- Rober Sass - Eostre (Ostara) is NOT a Norse or Saxon Goddess

https://www.aldsidu.com/post/eostre-ostara-is-not-a-norse-or-saxon-goddess


1 - Kenning: Kenning, na literatura medieval da Escandinávia, é uma figura de linguagem poética em que perífrases são feitas através de composições. Na sua forma mais simples, compreende dois termos, um dos quais é relacionado com o segundo formando um significado que nenhum dos termos possui individualmente.



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