Pular para o conteúdo principal

Pecado, Thew, e os Ossos do Innangard


Será que o pecado tem lugar no Paganismo Germânico? Para novos pagãos, rodeados de informação falsa que desnuda o Paganismo Germânico de significado e soterrados de livros escritos por autores sem interesse real, a resposta pode ser um não. Devido não obstante de uma estranha moda de focar em práticas solitárias e enraizadas em misticismos new age, um dos principais equívocos carregados por pagãos é o de que eles acreditam que abandonaram o mundo de tais conceitos arcaicos. Eles iriam, talvez, ficar horrorizados ao descobrir que enquanto a abordagem pagã do pecado difere, os aspectos fundamentais mantêm-se os mesmos. Pecar é transgredir contra a lei divina, conformidade com a qual é vital para a fundação de uma tribo saudável e duradoura. É apenas quando uma tribo começa a entender completamente os elementos presentes nas raízes de seus innangard e o que elas significam, que o relacionamento benéfico com o divino pode ser forjado.

A estrutura e a ordenação da tribo ressoam profundamente com implicações divinas. As cercas são construídas e o caos selvagem é posto no lugar, para que, então, a tribo se mova em harmonia com a ordem original do cosmos. A construção do innangard é um simulacro dos métodos em que o sagrado se separa do profano. Ao fazer isso, a tribo passa a se modelar de acordo com o divino. Dentro da cerca, existe ordem. Fora dela, caos.

Assim que a ordem é estabelecida, a anatomia da tribo começa a se desenvolver. Os costumes começam a se solidificar nas leis da tribo, que irão permitir que aqueles presentes dentro da tribo continuem em frente num caminho harmonioso. A cada novo problema que surge, uma lei deve ser criada para responsabilizar e cuidar deste. Em uma boa tribo, essas leis vão refletir a estrutura e o padrão da natureza incansável da lei primordial — orlög. Fazendo isso, a tribo está carregando essas leis com um elemento sagrado que os colocam em acordo com a divindade.

Com o desenvolvimento dessas leis, chega a thew, a base, o tendão, que permite que a tribo viva em paz com suas leis sem as quebrarem. Thew é um costume que se flexiona para que o corpo da tribo não se estraçalhe contra a natureza corrente do orlög, gerenciando a lei de um jeito em que a ordem se mantenha; no entanto é importante salientar que, apesar da thew se insinuar em leis, ela não é, em si, lei.

Quando a lei e a thew tomam forma, a existência inegável do pecado e o certo, bem e mal, tornam-se aparentes. Se o bom e o correto vão beneficiar a tribo e permitem que ela seja um sucesso, então o pecado e o mal são coisas que causam danos à tribo e destrói a aderência às leis tribais e primordial, violando a ordem. O pecado e o mal podem ser vistos como o desrespeito do innangard em favor do utangard — correr para a cerca para se juntar ao caos. Cultuar o caos, é basicamente ignorar o Frith presente em sua tribo. 

Indo ainda mais fundo, diversos aspectos da natureza do pecado começam a se revelar, o mais importante sendo: “se o correto é o que segue a lei tribal, então o pecado em si é um assunto tribal”. O Innangard pode pecar apenas contra si mesmo; por definição, seria impossível para o innangard pecar contra o caos, já que ele não possui leis. O Utangard pode, todavia, pecar contra as cercas da tribo.

A ocorrência do pecado apreende o poder daqueles que foram vítimas, criando um desequilíbrio. A fim de reestabelecer o equilíbrio, o poder e a honra das vítimas, o débito que o pecado estabeleceu, deve ser pago. É nestas situações que a thew toma a frente, e as nuances de cuidados do innangard tornam-se firmes. A lei primordial demanda que quando alguém é vítima de pecado, este deve responder com igual violência e medida, e ainda assim também demanda que não se deve cometer violência ou pecado contra seus irmãos. Presos entre essas duas leis, ambos a vítima e o culpado são resgatados do peso do orlaeg pela thew. Em vez de causar danos físicos para recuperar poder e ao fazer isso, causar mais danos à tribo, o equilíbrio é restaurado com um preço concordado, na forma de serviço ou pena.

Isso não significa, todavia, que o crime de pecado pode sempre ser corrigido assim. Em alguns casos, como a blasfêmia ou a dessacralização de um espaço sagrado, nenhum montante de tempo ou bens podem melhorar o dano que foi causado. O único modo de assegurar que a tribo, em massa, não irá sofrer da contaminação do pecado é a expulsão (outlawry). Desnudo de seus direitos como pessoa, e sujeito a vontade do utangard e seus perigos para sempre, o pecador é banido da tribo e o processo de restauração do equilíbrio começa.

Longe de ser um conceito abraamico ou desnecessariamente estrito, esses ideais de pecado e justiça precisam ser examinados de perto se uma tribo deseja garantir longevidade. No coração de cada tribo há a comunicação com o sagrado, e quando os aspectos da tribo espelham àqueles do divino, então o innangard se torna uma coisa sagrada. O que é sagrado não pode persistir no mesmo espaço que o que é profano, e quando uma tribo se move contra a natureza da orlög, o divino recua.

O pecado infecta a tribo com injustiças e o mal. É essa infecção que compromete as interações individuais e tribais com o poder divino e sagrado, e no fim traz a morte do innangard. Quando membros da tribo começam a agir contra a orlög, os elementos divinos que estão presentes no innangard começam a diminuir e tornam-se poluídos, o que, por sua vez, se espalha como uma doença, infectando e diminuindo todos que compartilham laços com eles até o débito ser pago e os crimes forem corrigidos. A infecção pelo pecado corrói a conexão entre a tribo e o mundo do sagrado até que eventualmente esta é acabada e destruída completamente. O corte desta conexão é equivalente a uma sentença de morte para a tribo. Sem aderência à lei primordial e ações justas, as cercas cairão, e o caos selvagem vai mais uma vez reinar.


Bibliografia:

WODENING, Eric. We are our Deeds.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Calendário de Feriados dos Germânicos Antigos

Texto traduzido e adaptado pelo professor Leonardo Hermes. Fonte: Robert Saas, https://www.aldsidu.com/post/the-historical-heathen-holidays-and-calendar  Esqueça a Roda do Ano ou Samhaim ou Yule no Solstício de Inverno. Muitas pessoas que buscam seguir o Germanismo acabam incorrendo no erro de seguir datas de feriados sem nenhum embasamento em nossas fontes, que são achados arqueológicos, as Sagas, as Eddas, textos em latim do fim da antiguidade e início da Idade Média como as Leges Barbarorum. Graças a pesquisadores como Dr. Andreas Nordberg e Andreas E. Zautner - que nos trazem novas perspectivas sobre esta questão – podemos ter um calendário mais autêntico.  Antes de mais nada, é preciso entender que a visão que temos sobre o tempo hoje é completamente diferente daquela dos germânicos antigos; para eles o ano começava com o inverno (que para nós hoje seria o meio do outono) e só tinha duas estações: inverno e verão; ambas estações começavam em uma lua cheia; o dia se iniciava ao ano

Lista de Leitura - Runas

Nos tempos modernos o assunto Paganismo Germânico e Runas é indissociável. Em um paradigma reconstrucionista, conforme nos mostram as fontes e os achados arqueológicos, reconhecemos que as runas não eram usadas para a divinação e, muito provavelmente, para magia durante o período onde a antiga religião pagã era praticada pelos povos germânicos. Existia uma dúvida quanto a questão oracular devido ao fato de que o historiador romano Públio Cornélio Tácito citava o uso de varetas com símbolos para uso divinatório, entretanto ( conforme artigo já divulgado pelo Germania Institut ) essas varetas já foram encontradas e elas não possuíam runas entalhadas. Apesar das questões supracitadas, entendemos que o uso moderno de runas para magia e divinação é um tema agregador a nossa cena e, portanto, não deve ser desconsiderado. Somado a isso temos os registros de que os povos germânicos gostavam e utilizavam com frequência consultas oraculares, ainda que não usando runas, conforme consta no trabalh

Lista de Leitura - Visão de mundo

Apesar de o considerarmos como uma religião, o Paganismo Germânico é abrangente e complexo. Poderíamos simplesmente elencar os diversos deuses e seres divinos que nos são providos pelas Eddas e Sagas, comprar estatuetas, alguns incensos e velas, e então fazer qualquer coisa com tudo isso, a qual chamaríamos de ritual, reza, oração, ou seja lá mais o que poder-se-ia denominar. Todavia, a cultura pop trouxe à tona tudo isso; não só essa mistura esdrúxula de Cristianismo e cultura Germânica, mas outras coisas tão estapafúrdias quanto: como o nosso famoso Thor loiro, o Valhalla como um paraíso, valquírias como seres bondosos e de beleza estonteante que levam-nos para o paraíso. Todos estes equívocos possuem um número considerável de motivos. O primeiro certamente é a influência que as “Religiões Mundiais” tiveram (e têm), sobre a cultura e sociedade passada e atual. Basta uma olhada um pouco mais atenta para verificar que muitas das coisas que hoje consideramos comuns vêm de uma veia crist