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Cavalo no paganismo Germânico

imagem de cavalo feito em âmbar encontrado em
sepultura paleolítica em Woldenberg, oeste da polônia
Quando olhamos para as fontes nórdicas medievais encontramos muitas referencias sobre cavalos, mas não somente, muitos achados arqueológicos mostram que essa relação é muito mais antiga, sendo encontrado em vários sítios arqueológicos instrumentos domésticos e partes de carruagem com cerca de 4000 anos de idade, colocado ela em um patamar de tão antigas quanto as mais antigas já descobertas em outros locais do mundo, os cavalos foram introduzidos na Escandinávia no inicio da idade do bronze pelos indo-europeus e se espalharam muito bem por todo o território de forma que até o final da idade do bronze se tornou um animal comum nesses territórios, temos referencias arqueológicas sobre isso em alguns achados como as inscrições em pedra em Villfarastenen, Örstaristningen e o maravilhoso Kungagraven.

runestone de Gotland
Esses achados mostram a relação próxima e fundamental para o sistema de crenças germânicos e nórdicos posteriormente, vemos diversas representações de padrões circulares representando discos solares em muitas runestones e outras formas de arte encontras espalhadas por todo território germânico e escandinavo, e quase sempre acompanhado por representações de dois cavalos, mas a maior prova da ligação das crenças nórdicas com as crenças indo europeias é a carruagem de trundholm, dentro da crença germânica, Sunna, a alma do sol, puxa o astro pelos céus com o auxilio de dois cavalos, muitas representações solares do período mostram discos solares geralmente acompanhados de dois cavalos, que podem representar os cavalos divinos gêmeos da mitologia indo-europeia que resgatam o sol do mar, e os nórdicos revelaram muito do seu medo de que algum dia o sol fosse engolido pelo terrível lobo.

Alem das representações medievais que temos, também existem relatos de rituais germânicos envolvendo cavalos, o relato mais antigo desses rituais vem de Tácito, cerca de 2000 anos atrás, onde ele relata que os alemães não só usavam o voo dos pássaros para fazer previsões do futuro como também utilizavam  cavalos brancos e puros, que eram mantidos em bosques sagrados e nunca eram montados ou usados no trabalho, onde o rei e um sacerdote amarravam o cavalo em uma carruagem e tomavam nota das suas ações para definir o que o destino havia reservado para eles, um costume muito semelhante dessa prática de vidência é registrada por Adão de Bremen 1000 anos depois pelos suecos, porem não era mais exclusivamente praticando pela elite e sim por todas as pessoas de todas as classes, perdendo o costume indo-europeu ligado apenas a nobreza.
Sunna e seu irmão Mani fugindo dos lobos Skoll e Hati

 Existem relatos Suecos que falam de um grande sacrífico no tempo de Uppsala que envolveu o enforcamento de 9 animais machos de todas as espécies, incluindo cavalos, isso parece ter sido uma enorme oferenda a Wotan, deus dos enforcados, Dietmar de Merseburgo escreveu sobre atividades em Lehrer, Dinamarca, no inicio do século X, de como os adoradores se reuniam em Uppsala a cada nove anos, o sacrifício envolvia 99 pessoas, 99 cavalos, cachorros e galos, essa mesma forma de ritual é vista na runestone de Stentoften, Wotan se enforca na árvore dos mundos por 9 dias revelando a ligação com o numero e os ritos Odínicos, em Hervarar Saga, vemos o relato do ultimo rei pagão em Uppsala, uma descrição de um sacrifício ritual de um cavalo é relatada, onde o animal é desmembrado, sua carne é distribuída ao povo comer e seu sangue é borrifado ao redor da árvore sagrada do templo.
 Sacrifícios de cavalos também eram muito comuns dentro da religião, isso não é sustentado apenas pela arqueologia mas também pelo relato do historiador árabe Ibn Fadalane, que no século X escreveu um relato detalhado do rito funerário de um líder, ele relata como dois cavalos corriam até suar e então foram cortados com uma espada, e então colocados em um barco, com outros animais e uma escrava,a garota faz sexo com cada um dos homens do seu senhor antes do sacrifício dos cavalos e então é estuprada novamente após a morte dos animais até ser apunhalada por uma sacerdotisa ao mesmo tempo que é estrangulada pelos homens, todas as vitimas do sacrifício são queimadas e finalmente enterradas, esse relato coincide fortemente com os achados arqueológicos atuais, que é estremamente semelhante aos ritos sexuais do ashvamedha citado na postagem anterior.

runestone de Gotland
Outro relato muito importante destes ritos vem da saga do rei Hákon, que em Trondheim por volta de 950 e.c durante uma celebração de jöl / yule, onde muitos animais deveriam ser sacrificados porem apenas cavalos são mencionados, o consumo da mesma acaba se tornando cenário de uma grande disputa entre as pessoas e seu rei cristão que se recusa a come-la, a saga relata que o sangue do cavalo é coletado e aspergido por todos os cantos do local, mas a carne era preparada para um banquete onde todos poderiam se alimentar, o sangue teria poderes de reviver os mortos e se comunicar com eles, e o ato de aspergir o sangue por todo o local seria uma forma do rei dividir esse poder com seus súditos, porem o rei Hákon ofende o seu povo ao fazer o sinal da cruz sobre a refeição, fazendo com que ele mentisse dizendo que era o sinal do martelo de Thor para evitar que seu povo se tornasse violento, mas mesmo assim, ele ainda se recusou a comer a carne de cavalo, e isso deixou seu povo furioso, e eles acabam o fazendo comer figado de cavalo sob ameaças de destroná-lo, a razão para esse ato é a crença indo europeia de que o rei precisa comer a carne para que aja prosperidade e fertilidade para a terra, assim podemos ver a existência de uma forte crença de raiz indo-europeia da conexão entre o rei, o cavalo e o sol durante a era Viking, o primeiro brinde do Yule sempre era dedicado a Odin, para vitória e poder reforçado para o rei, o segundo brinde é para Njord e Freyr, deuses da fertilidade, para o bem da colheita e da paz, e o ultimo brinde seria para o próprio rei.

Odin também esta intimamente ligado aos cavalos, não apenas pelo seu famoso cavalo de 8 patas Slepnir, mas também em outros relatos como patrono dos cavalos, ao contrario das fontes indianas e irlandesas, os cultos germânicos não envolvem nenhum tipo de sexo ritual com cavalos ou outros animais, mas existem ligações com a sexualidade, em Völsa Tháttr existe o relato da existência de um pênis de cavalo preservado com cebolas e linha juntamente com outras ervas chamado Volsi, que representaria um deus, Provavelmente Freyr e conectava a fazenda as energias da fertilidade e prosperidade, justificadamente associado a Freyr, porem o nome Volsi esta conectado a uma linhagem de reis e heróis descendentes do neto de Volsung, volsi, é o nome da linhagem de Odin, volsi, significa literalmente pênis, e isso conecta diretamente Odin e a aristocracia antiga ao sacrifício de cavalos.

Os nórdicos também praticavam uma luta de cavalos chamada Skeid que provavelmente se originou como parte do culto ao deus Freyr, cujo principal animai sacrificado era o cavalo, em Hrafnkels Saga Freysgoda, um sacerdote de Frey dedica um garanhão negro ao seu deus e o chama de Freyfaxi, alguns registros mais antigos dessa prática são encontrados em representações nas imagens de pedra de Häggebystenen e no chifre dourado de Gallehus, essas tradicionais lutas de cavalo perduraram durante muitos anos e ficaram se mantem como uma forma de culto e sacrifício de cavalos até tempos modernos, sobrevivendo a cristianização.

Existem diversas evidencias de enterros e cremações de cavalos, principalmente ligados a Freyr, sendo algumas vezes considerado que os enterros de cavalos junto a guerreiros eram rituais dedicados a Odin e as cremações a Freyr, sendo assim o cavalo um psicopombo, fazendo a ligação entre o mundo dos vivos e dos mortos, segundo o dicionário de mitologia Nórdica do professor Johnni Langer, o papel de transporte desses animais entre os planos fica bem evidente em muitos textos, onde os cavalos servem de ligação entre o mundo conhecido e o desconhecido, fazendo a ponte entre os mundos, vemos isso nas representações do Dagr e da Nótt que são puxados por cavalos Hrínfaxi e Skinfaxi percorrendo a fronteira entre o céu e a terra , Sunna com Arvak e Alsvinn percorrendo a fronteira do céu e da terra, entre o dia e a noite, Svadilfari, cavalo do gigante construtor da muralha, percorrendo o mundo controlado e o não controlado, Slepnir, percorrendo e fazendo a conexão entre o mundo celestial, o mundo mundano e o submundo, e por fim o ritual de Nidstöng onde a cabeça de um cavalo era colocada em um porte, misturando dois conceitos, a cabeça representando o intelectual e o poste ou bastão o sexual fazendo assim uma conexão entre as energias e equilibrando o Nid.

Ainda existem muitas outras coisas que podem ser debatidas sobre esse nobre animal e seu papel dentro da religião germânica e nórdica, e muitas mais a descobrir, como os achados de Rullstorf, que é um enorme cemitério indo-europeu situado na Alemanha com um uso posterior pelo povo saxão como um cemitério de cavalos, mas espero com o que já foi mostrado aqui eu tenha conseguido trazer esclarecimento em relação a esse tema.


 

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